sábado, 25 de fevereiro de 2017


   Cesário Verde faz hoje 162 anos.

        ECOS DO REALISMO
               MANIAS!

O mundo é velha cena ensanguentada,
Coberta de remendos, picaresca;
A vida é chula farsa assobiada,
Ou selvagem tragédia romanesca.

Eu sei um bom rapaz, -hoje
                   uma ossada-,
Que amava certa dama pedantesca,
Perversíssima, esquálida e chagada,
Mas cheia de jactância quixotesca.

Aos domingos a deia, já rugosa,
Concedia-lhe o braço, com preguiça,
E o dengue, em atitude receosa,

Na sujeição canina mais submissa,
Levava na tremente mão nervosa,
                                               O livro com que a amante ia ouvir missa!

Cesário Verde, 19--3*: Obra Completa de Cesário Verde.
(Organizada, prefaciada e anotada por Joel Serrão). Lisboa: Portugália; pp. 122-123.
[*As 1.ª e 2.ª eds. deste livro saíram, respetivamente, em 1964 e 1970; a 4.ª em 1983, na Livros Horizonte. De recordar que O Livro de Cesário Verde 1873-1886, publicado pelo seu amigo Silva Pinto, saiu em 1887 (Lisboa: Typographia Elzeviriana).
O soneto «Manias» foi publicado, pela 1.ª vez, no Porto, no Diário da Tarde (23/01/1874)].

Para recordar e/ou ler e/ou ser (mais) informado:

«[…] Ele foi o primeiro que fez a anatomia do homem esmagado pela cidade, e para o qual esta contou como elemento da própria consciência, foi o poeta que viveu a cidade, e a trouxe para a poesia, que soube integrar no mundo poético a realidade comezinha, e encontrar o autêntico real através dum tipo inédito de descrição, no qual as coisas entram com tamanho potencial de presença (pela força da sua arte), que se cria, com ele, um novo sentido da imagem poética, como se cria, igualmente, uma nova noção do ritmo que só na poesia moderna, com Pessoa e Sá-Carneiro, ganhará os seus títulos de nobreza. […]».
Adolfo Casais MONTEIRO, 1977: A Poesia Portuguesa Contemporânea.
Lisboa: Sá da Costa; p. 18.

NB1 - Fotografias colhidas em Google+ / Imagens / Cesário Verde e Silva Pinto.
NB2 - Foram respeitadas grafia e pontuação das edições consultadas.



2 comentários:

  1. Cesário, que pena ter morrido tão jovem e tão injustiçado! O neorrealismo poético começa com ele, desbravado com rigor e cumprindo em absoluto e eximiamente a denúncia do sofrimento do povo esmagado por uma Lisboa cheia de assimetrias sociais.
    Sempre que leio o " SENTIMENTO DUM OCIDENTAL" experimento uma dor moral que me é difícil de explicar.
    Abraço, amigo!

    PS.O Douro está lindo!

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    1. Pois é Ibel, «O Sentimento dum Ocidental», que o Poeta dedica [só na recolha «O Livro de Cesário Verde» (1887)] ao Guerra Junqueiro, poeta que também viveu e casou em Viana, não foi acidental!
      Abraço amigo!

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