Cesário Verde faz hoje 162 anos.
ECOS DO REALISMO
MANIAS!
O mundo é velha cena
ensanguentada,
Coberta de remendos, picaresca;
A vida é chula farsa assobiada,
Ou selvagem tragédia romanesca.
Eu sei um bom rapaz, -hoje
uma ossada-,
uma ossada-,
Que amava certa dama
pedantesca,
Perversíssima, esquálida e
chagada,
Mas cheia de jactância
quixotesca.
Aos domingos a deia, já rugosa,
Concedia-lhe o braço, com
preguiça,
E o dengue, em atitude receosa,
Na sujeição canina mais
submissa,
Levava na tremente mão nervosa,
O livro com que a amante ia
ouvir missa!
Cesário Verde, 19--3*: Obra Completa de Cesário Verde.
(Organizada, prefaciada e anotada por Joel
Serrão). Lisboa: Portugália; pp. 122-123.
[*As 1.ª e 2.ª eds. deste livro saíram,
respetivamente, em 1964 e 1970; a 4.ª em 1983, na Livros Horizonte. De recordar
que O Livro de Cesário Verde 1873-1886,
publicado pelo seu amigo Silva Pinto, saiu em 1887 (Lisboa: Typographia
Elzeviriana).
O soneto «Manias» foi publicado, pela 1.ª vez, no Porto, no Diário da Tarde (23/01/1874)].
Para
recordar e/ou ler e/ou ser (mais) informado:
AQUI e «Cesário Verde: de incompreendido a
poeta amado» e/ou
«Cesário Verde: o poeta que Maria
Filomena Mónica biografou».
«[…] Ele foi o primeiro que fez a
anatomia do homem esmagado pela cidade, e para o qual esta contou como elemento
da própria consciência, foi o poeta que viveu a cidade, e a trouxe para a
poesia, que soube integrar no mundo poético a realidade comezinha, e encontrar
o autêntico real através dum tipo inédito de descrição, no qual as coisas
entram com tamanho potencial de presença (pela força da sua arte), que se cria,
com ele, um novo sentido da imagem poética, como se cria, igualmente, uma nova
noção do ritmo que só na poesia moderna, com Pessoa e Sá-Carneiro, ganhará os
seus títulos de nobreza. […]».
Adolfo Casais MONTEIRO, 1977: A Poesia
Portuguesa Contemporânea.
Lisboa: Sá da Costa; p. 18.
NB1 - Fotografias colhidas em Google+ / Imagens / Cesário Verde e Silva
Pinto.
NB2 - Foram
respeitadas grafia e pontuação das edições consultadas.
Cesário, que pena ter morrido tão jovem e tão injustiçado! O neorrealismo poético começa com ele, desbravado com rigor e cumprindo em absoluto e eximiamente a denúncia do sofrimento do povo esmagado por uma Lisboa cheia de assimetrias sociais.
ResponderEliminarSempre que leio o " SENTIMENTO DUM OCIDENTAL" experimento uma dor moral que me é difícil de explicar.
Abraço, amigo!
PS.O Douro está lindo!
Pois é Ibel, «O Sentimento dum Ocidental», que o Poeta dedica [só na recolha «O Livro de Cesário Verde» (1887)] ao Guerra Junqueiro, poeta que também viveu e casou em Viana, não foi acidental!
EliminarAbraço amigo!