David Mourão-Ferreira faz hoje* 90 anos.
IN MEMORIAM MEMORIÆ [1]
(Fragmento)
Mas
é no mármore que escreves?
Mármore, sim…
mole, porém,
como a casca da árvore,
como o vento no sono
escutado,
como a sombra da nuvem
no
mar…
E
fica todavia o que tu escreves!
E
fica todavia o que não dizes!
E
fica todavia, à flor da pele,
o
que nem nas raízes existia!
E
fica todavia, toda a vida,
o
que nem se sonhava que ficasse:
uma
saia de ráfia que se tira,
e
não o corpo, o corpo que se amava;
a
circunstância trémula do crime,
e
não o grande amor que o motivara;
o
número de telefone que se disse,
em
vez dos dedos longos que o marcavam;
uma
lua, uma data, um arrepio,
em
vez da Inquietação e da Palavra!
David
Mourão-Ferreira, 19973: Obra
Poética (1948-1988).
Lisboa: Presença; pp.
188-189. (1.ª ed.: 1988. «Introdução»: Eduardo Lourenço.)
[1] Título do poema e do livro (plaquete, com ilustrações
de Alice Jorge), 1962, Lisboa, Minotauro. Em Obra Poética, 19973, pp. 181-192.
Para
recordar e/ou ler e/ou ser (mais) informado:
«[…] a temática predominante em
David Mourão-Ferreira é a do amor; […] a sua técnica de versificação é exemplar
e revela uma leitura atenta e aprofundada (e paciente) da nossa poesia
clássica; […] não é só o amor, mas também certos aspectos que o imitam (as
circunstâncias económicas, a “moralina” estabelecida, o esquecimento, o
equívoco, o envelhecimento) aparecem como motivações de quase todos os poemas
[…]; a sua “modernidade” é extremamente discreta, mais sugerida do que
praticada […]».
Eduardo Prado COELHO, 1972: O Reino Flutuante.
Lisboa: Edições 70; p. 263.
* Também fazem anos, hoje, «Rosalía deCastro» e «José Augusto Seabra».
NB1 - As fotografias do Poeta foram colhidas em Google+ / Imagens / David
Mourão-Ferreira.
NB2 - Foram respeitadas grafia e pontuação das edições consultadas.
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