sábado, 31 de maio de 2014

I. Poesia em livro


               Todos os dias são da poesia e sua partilha, como pão nosso de cada dia.

   [Continuação do post anterior, dentro da mesma rubrica]





                                                                                                                                                                                                       [Haverá mais]

terça-feira, 27 de maio de 2014

IV. Frutos da Terra e do Homem

                            Todos os dias são da poesia e sua partilha, como pão nosso de cada dia.



quinta-feira, 22 de maio de 2014





Publicado, depois, em estes cantares fez & som escarnhos d'ora (2015/2016). Ed. A. / Viana do Castelo, 2105/2016, «xviii», p. 34.

IV. Frutos da Terra e do Homem


                                             Todos os dias são da poesia e sua partilha, como pão nosso de cada dia.




IV. Frutos da Terra e do Homem


                                                       Todos os dias são da poesia e sua partilha, como pão nosso de cada dia.




segunda-feira, 19 de maio de 2014

IV. Frutos da Terra e do Homem

                             Todos os dias são da poesia e sua partilha, como pão nosso de cada dia.




domingo, 18 de maio de 2014

IV. Frutos da Terra e do Homem


                              Todos os dias são da poesia e sua partilha, como pão nosso de cada dia.



quinta-feira, 15 de maio de 2014

IV. Frutos da Terra e do Homem


Todos os dias são da poesia e sua partilha, como pão nosso de cada dia.


Antes da criação deste blogue, fui publicando (postando), em «E-TERNO RETORNO», rubrica "deVez-enCanto", alguns poemas. Apresento, a seguir, índice e sua remissão (os textos sem título vão indicados, entre aspas, pelo primeiro verso):

003 - quadras a (des)gosto popular (I)http://e-ternoretorno.blogspot.pt/2014/01/devez-encanto.html


I. Poesia em livro


               Todos os dias são da poesia e sua partilha, como pão nosso de cada dia.

                                                                                                               [Continuação do post anterior, dentro da mesma rubrica]



                                                                                                                                                                                                            [Haverá mais]

segunda-feira, 12 de maio de 2014

IV. Frutos da Terra e do Homem






Em torno da interrogação na poesia de Jorge de Sena [III]

[Termino, neste post, estudo inicialmente publicado (apenas texto), em 1998,
na revista MealibraCfr. RODRIGUES, 1998.]


      [Continuação do post anterior, onde apresentei uma síntese de natureza teórica, sobre os valores linguísticos e retóricos da interrogação.]

Falámos acima na ausência de voz, voz que a interrogação retórica uma vezes substitui, outras abafará. E a voz leva-nos, de novo, à poesia de Sena, mais precisamente àquele poema de onde retirámos o verso que é epígrafe deste tra­balho. Poema já referido, também, na citação de Fátima Morna, e que a seguir se apre­senta na inte­gridade de título e texto:

TENDO LIDO UMA CARTA ACERCA DE UM SEU LIVRO DE POE­MAS, QUE OFERECERA

Por que entristeço ao ler o que de meus
versos escrevem se não é de mim
que escrevem?
Será que chora em mim o que meus versos foram
antes de ser meus?
Por que pergunto, se já sei por quê?

Escuto longamente, leio, espero,
e o poema é voz de toda a gente, todos eles, que,
não se tendo ouvido, não a sabem sua.
E vêm chorar em mim o coração traído,
a música perdida em distracções urgentes,
umas palavras que ninguém falou.

Não entristeço, pois. Apenas sou pergunta,
e, sendo eu, me esqueço ao perguntar. [SENA, 19772: 210]

A vários títulos nos parece importante este poema de Sena. Foquem-se alguns. Comecemos pelas interrogações. São três, e seguidas, e iniciam o poema. O poema nasce sob o signo da inter­rogatividade. Um problema apoquenta, aparentemente, o poeta.
            A primeira é constituída por três versos, a segunda por dois, a terceira por um. Que nos dirá esta organização vérsica? Em primeiro lugar, que há uma gradação a nível da forma. Havê-la-á também a nível do conteúdo?
            A primeira interrogação é a verificação de um facto, de um estado de es­pírito: o poeta fica triste porque escrevem acerca dos seus ver­sos e não acerca dele, poeta.
            A segunda é a razão/reconhecimento desse facto: o que chora no poeta é aquilo que os seus versos foram antes de serem dele.
            Para quê, então, a terceira pergunta (que como retórica definição de pergunta retórica se pode entender)? Para chegar às causas e à explicação última do ser poeta. É o que dizem a se­gunda e a terceira estrofes.
            Perguntas retóricas, sim, mas aliadas a outras figuras, a gradação e o raciocínio, sobretudo. [QUINTILIANO, 1836: 105-115; LAUSBERG, 19823: 108-109]. Poderia este poema começar pela se­gunda ou terceira interrogação?... Teríamos, nesse caso, outros poe­mas, não este.
            Este poema é um silogismo ou, pelo menos, um entimema (thymós, «impressão emotiva ») [PLEBE & EMANUELE, 1992: 54; cfr. tb. LAUSBERG, 19823: 219-221]. Repare-se no final do poema que, apesar da contradição que parece ter com o início, inclusiva­mente nos aparece marcado pelo conector "pois", que interpreta­mos, por um lado, com valor de conclusiva e por outro com valor de causal ou explicativa: «Não entristeço, pois. Apenas sou per­gunta, / e, sendo eu, me esqueço ao perguntar.»
            Repare-se, ainda, na função demiúrgica, de medium, que o poe­ta assume no poema, como porta-voz da "tribo". Quem fala não sou eu: a minha voz é a voz daqueles que não têm voz, é o que, parafraseando, ele diz, como o poema o diz. A propósito:

Nos anos 80, o protagonismo do texto invadiu a própria filosofia. Hoje vai abrindo a idéia de uma textuali­dade geral que diz respeito em igual medida tanto à lite­ratura quanto à filosofia, de modo que as técnicas e os ar­tifícios textuais da primeira não diferem, em substância, das técnicas e dos artifícios da segunda.(...)
            Mas, se o texto se coloca hoje como diafragma entre a arte de escrever e a arte de pensar, então o rhétoricien moderno não pende mais nem para o lado dos artifícios es­téticos, nem para o das concepções filosóficas: ele pode surgir como o moderno demiurgo intelectual, que conhece a arte mais essencial, a de manipular o texto. Nesse sentido, ele tem um pé numa estética criadora (...) e outro numa filosofia não metafísica: de um lado é perito em signos literários, de outro em seus conteúdos filosóficos. [PLEBE & EMANUELE, 1992: 184]

            Por isso, os autores desta citação (professores de Filosofia em universidades italianas) terminam o seu livro dizendo: «Há estética e há filosofia onde o texto se presta a ser manipulado retoricamente», em vez da frase com que Max Bense abre o seu Kleine Texttheorie [1969]: «Há poesia onde palavras diferentes se encontram pela primeira vez.» [Id.: 186]
            Mas o poema «Tendo lido uma carta...» revela também dois as­pectos, tidos hoje como característicos da arte literária contem­porânea: o apagamento e o distanciamento do sujeito poético em relação ao seu próprio produto estético e, em conse­quência, a defesa da autonomia desse objecto, atitude que deve ser praticada também pela crítica, simbolizada aqui pelo even­tual autor da carta.

Voltemos às interrogações de Sena. Desta vez, com o poema

EPÍGRAFE PARA A ARTE DE FURTAR
           
Roubam-me Deus,
outros o Diabo
- quem cantarei?
           
roubam-me a Pátria;
e a Humanidade
outros ma roubam
- quem cantarei?
           
sempre há quem roube
quem eu deseje;
e de mim mesmo
todos me roubam
- quem cantarei?
           
roubam-me a voz
quando me calo,
ou o silêncio
mesmo se falo
- aqui del-rei! [SENA, 19882: 17]
           
Uma interrogativa parcial, três vezes repetida, como re­frão, no final das três primeiras estrofes. Estrofes também elas grada­tivamente constituídas por dois, três e quatro versos. Gradativa­mente também a nível de conceitos, verticalmente colocados

Deus
Diabo
Pátria
Humanidade
Amor (?)
Voz
Silêncio

            O poeta só pede socorro, isto é, só deixará de cantar quando lhe roubarem o próprio silêncio. A liberdade, a todos os níveis, foi sempre a maior luta do poeta. Repete-o frequente­mente.
            Trata-se de uma pergunta retórica, associada à repetição e à gradação, que aliás faz lembrar outras usadas já pelos trovadores e jograis, nomeadamente satíricos. Mas o seu valor é sobretudo irónico, também pelo jogo que constrói e mantém, pelo inesperado do final. Final tanto mais inesperado quanto do ritmo criado pela repetição do refrão interrogativo, três vezes repetido, se espe­raria que continuasse. Não continua e em sua substituição uma ex­clamativa, o grito de socorro e de revolta, que não deixa de ser interrogante, inquietante, incómodo. Prestemos atenção à curva melódica e aos fonemas que constituem os lexemas do refrão, nas duas realizações. Não se fica com a sensação de um toque a rebate crescente?...

            Será necessário lermos mais poemas de Sena para nos aperce­bermos da importância da interrogação na sua poesia, aos vários níveis em que ela se concretiza?... Julgamos que não.
            Gostaríamos, porém, de ler, apenas ler, pelas interrogações que contém, pela reflexões que propõe sobre a interrogatividade da arte, pela importância que a música teve na aparição da poe­sia a Sena

OUVINDO O QUARTETO OP. 131, DE BEETHOVEN

A música é, diz-se, o indizível
por ser de inexprimível sentimento
da consciência, ou um estado de alma,
ou uma amargura tão extrema e lúcida
que passa das palavras para ser
apenas o ritmo e os sons e os timbres
só pelos músicos cientes de harmonia
e de composição imaginados. Mas,
se assim fosse, eles só dos homens
saberiam mover-se nos espaços
que a humanidade abandonada encontra
nos desertos de si. Começariam
onde a expressão verbal não se articula
por impossível. Viveriam sempre
na fímbria estreita à beira da maldade
e do absurdo, como que suspensos
na solidão da morte sem palavras.
Não é, portanto, a música o limite
ilimitado dos limites da linguagem,
para dizer-se o que não é dizível.

Mas, se não é, que dizem lancinates,
neste discreto passeio pelo tempo,
os quatro instrumentos semelhantes
no seu modo de criarem som?
Tão terrível. Sufocante. Doce
ou agridoce desconcerto harmónico.
Que diz? Que diz? Neste contínuo
de temas e andamentos, de tonalidades,
o que se justifica? Que discutem eles?
A sua mesma natureza de instrumentos
e as combinações até ao infinito
de um mecanismo abstracto do imaginar?
Como pode uma coisa que sentimos tão medonha,
tão visionariamente séria e pensativa,
ser irresponsável?

Será que nos diz do aquém, do abaixo,
do infra, do primário, do barbárico,
do animal sem alma e sem razão?
Será que todo este rigor tão belo
é como que a estrutura prévia
de que existimos ao pensar as coisas?
E não a quintessência depurada
de uma estrutura que se consentiu
todo o significar a que as palavras vieram
da analogia nominal e mágica
até à consciência dos universais?
Não há tristeza alguma nesta
vida transformada em puro som,
em homogénea outra realidade?
Não é de angústia este rasgar melódico
da consciência antes de criar-se humana?

De que, portanto, vem este triunfo
que se precipita, contraditório, nas arcadas
dos instrumentos conversando essências?
É simples convenção? É artifício?
Silêncio irresponsável?

Se há mistério na grandeza ignota,
e se há grandeza em se criar mistério,
esta música existe para perguntá-lo.
E porque se interroga e não a nós,
ela se justifica e justifica
o próprio interrogar com que se afirma
não quintessência ela, mas raiz profunda
daquilo que será provável ou possível
como consciência, quando houver palavras
ou quando puramente inúteis forem. [SENA, 19882: 181-182]

  

Bibliografia (Toda a consultada)
AA. VV., 1981: Studies on Jorge de Sena (...). Santa Barbara: Bandanna Books.
DUCROT, O., 1984a: «Pressuposição e Alusão», in AA.VV., 1984: Linguagem-Enunciação. Enciclopédia Einaudi, vol 2. Lisboa IN-CM; pp. 394-417 (Trad. do art. de Henriqueta Costa Campos).
------------, 1984b: «Actos linguísticos», in AA.VV., 1984:  Linguagem-Enunciação. Enciclopédia Einaudi, vol. 2. Lisboa IN-CM; pp. 439-457 (Trad. do art. de Henriqueta Costa Campos).
KERBRAT-ORECCHIONI, C., 19862: L'Implicite. Paris: Armand Colin.
LAUSBERG, H., 19823 (1967): Elementos de Retórica Lietrária. Lisboa: Gulbenkian (Trad. de R.M. Rosado Fernandes).
MATEUS, M H.M et al., 19892: Gramática da Língua Portuguesa. Lisboa: Caminho.
MENDES, J., 1970: «Interrogação», in VERBO-Enciclopédia Luso Brasileira de Cultura, vol 10. Lisboa: Verbo.
MEYER, M., 1993: Questions de Rhétoriques. Langage, Raison et Séduction. Paris: Librairie Générale Française (Le Livre de Poche).
MORNA, F. F., 1985: Poesia de Jorge de Sena. Lisboa: Comunicação.
PLEBE, A. & EMANUELE, P., 1992 (1989): Manual de Retórica. São Paulo: Martins Fontes (Trad. de Eduardo Brandão, revista por Neide Luzia de Rezende).
QUINTILIANO, 1836: Instituições Oratorias. Coimbra (Trad. e notas de Jeronymo Soares Barbosa).
RODRIGUES, D. [F.], 1998: «Em torno da interrogação na poesia de Jorge de Sena». Mealibra (Revista de Cultura), n.º 1/2, série 3. Viana do Castelo: Centro Cultural do Alto Minho; pp. 21-27.
SENA, J., 19772: Poesia I. Lisboa: Moraes.
------------ , 19882: Poesia II. Lisboa: Edições 70.
------------ , 19892: Poesia III. Lisboa: Edições 70.

sábado, 10 de maio de 2014

IV. Frutos da Terra e do Homem

               Todos os dias são da poesia e sua partilha, como pão nosso de cada dia.




sexta-feira, 9 de maio de 2014

IV. Frutos da Terra e do Homem






Em torno da interrogação na poesia de Jorge de Sena [II]

[Fica, neste post e seguintes, estudo inicialmente publicado (apenas texto), em 1998,
na revista MealibraCfr. RODRIGUES, 1998.]


[Continuação do post anterior, onde, por um lado, apresento a pertinência da interrogação na poesia do poeta e, por outro, indico estudos que se lhe referem. Assim, continuando:]

   Recorde-se, sumariamente, as características da interro­gação, também para distinguir a pergunta literal da pergunta retórica.
   Em sentido literal, uma interrogação, prosodicamente realizada numa frase com determinada entoação ascendente (representada na escrita pelo respectivo sinal de pontuação) é «a expressão de um tipo de acto ilocutório directivo, através do qual o LOC [locutor] pede ao ALOC [alocutário] que lhe forneça uma infor­mação de que não dispõe.» [MATEUS et al., 19892: 237]
   Trata-se, portanto, de um acto interpessoal, de um intercâm­bio dialogal. De um lado, temos um locutor que interroga e que, ao fazê-lo, deseja obter uma informação; de outro, temos um outro alocutário que, em princípio, se presume ser capaz de informar e por isso de responder. A própria noção de pergunta inclui, portanto, a de resposta. "Quem pergunta quer saber", sintetiza o velho ditado.
A característica principal de uma interrogativa literal é, pois, a de obrigar o destinário a uma resposta, estabelecendo, assim, entre os inter­locutores, uma espécie de obrigatoriedade, como esclarece Ducrot:

   Se não se faz intervir esta ideia de uma obrigação de res­posta imposta ao destinatário, o enunciado [...] já não é compreensível como uma pergunta, mas apenas como a marca de uma incerteza ou de uma curiosidade, ou ainda como forma retórica de exprimir a sua incredulidade [...]. O que carac­teriza a pergunta [literal] enquanto tal, é a exigência de uma resposta. [DUCROT, 1984b: 445]

   Como se sabe, nem todas as perguntas literais, totais ou parciais, obrigam a uma resposta verbal. Há perguntas que são or­dens, afirmações ou pedidos indirectos de uma acção, sejam elas acompanhadas ou não de formas de cortesia. A sua ocorrência tem a ver com a problemática dos actos ilocutórios, os quais es­tão in­timamente ligados aos mecanismos de construção e expli­cação do implícito. [Cfr. KERBRAT-ORECCHIONI, 19862]
           
   Valorizamos o carácter de obrigatoriedade de resposta que toda a pergunta literal institui, porque a chamada pergunta retórica não inclui, na sua definição, essa obrigatoriedade, antes a dispensando.
Não é só nos discursos ditos literários que se encontra esta forma particular de interrogação. Também no falar quotidiano. Também e sobretudo nos discursos políticos, religiosos e publi­citários, naqueles onde o orador se substitui ao ouvinte, na for­mulação dos seus problemas, incertezas, paixões, confli­tos, questões, desejos, sejam eles conscientes ou inconscientes.
   A retórica, define Meyer, «c'est la négociation de la dis­tance entre des hommes, à propos d'une question, d'un problème.» [MEYER, 1993: 22-23]

   No campo da chamada «retórica dos conflitos», como no campo da chamada «retórica das paixões»,

   [...] fazer uma pergunta para a qual já se sabe que não há possi­bilidades de opção entre responder afirmativa ou negativa­mente, já que a própria formulação do problema pre­figura uma das suas respostas (ou exclui ambas), é o ar­tifício que re­cebe o nome de pergunta retórica. [PLEBE E EMANUELE, 1992: 63].

   O facto, porém, de não exigir uma resposta, não quer dizer que ela não afecte tanto aquele que a formula como aquele que a recebe e reformula, ainda que em níveis e graus diferentes. É o velho problema retórico do ethos, centrado no orador, e do pathos, centrado no auditório. No meio fica o logos, o discurso, meio que é o meio que reúne, ou afasta, os interlocutores. Porque uma outra característica da pergunta retórica é a de ela ser formulada «com fins argumentativos ou como expressão da avali­ação que o LOC faz de um determinado estado de coisas.» [MATEUS et al., 19892: 238]

   Em termos mais literários, como figura de pensamento e or­nato frásico, terá sido Quintiliano (séc. I) o seu primeiro teorizador. O autor das Instituições Oratórias diz que há inter­rogatio (os gregos chamavam-lhe erótema, para a distin­guir do próblema; este formulava-se para ser resolvido, ou seja, obter uma resposta; aquele não necessariamente), há figura de in­terrogação, para Quintiliano, «quando se fizer, não para saber alguma cousa, mas para instar, e intimar mais o que se diz». E o retórico romano dá como exemplo, entre outros, o célebre «Até quando, Catilina, abusarás da nossa paciência?». E comenta, re­toricamente interrogando: «Porque quanto mais fogo tem isto, dito deste modo, do que se disséssemos? Ha muito tempo que abuzas da nossa paciencia.» E Jerónimo Soares Barbosa, autor da tradução das Instituições que consultamos, comenta, em nota, que as interrogações «são figu­radas» quando «tem ficção. O orador não he ignorante do que per­gunta, mas finge-se tal para dar mais fogo, e acção ao pensa­mento.» [QUINTILIANO, 1836: 186-187, e 186, nota (e)]
   Lausberg, que sistematiza em Elementos de Retórica Literária os aspectos essenciais da retórica clássica, refere, baseado no Górgias de Platão, que a pergunta retórica

   [...] fustiga os afectos, por meio da evidência de que é desnecessária uma formulação interrogativa. Por isso, não se espera uma resposta a essa pergunta, pois que ela é, já por si, a formulação próxima da exclamatio, de uma afirmação. [LAUSBERG, 19823: 259]

   Tradicionalmente, e resumindo, a interrogação retórica literária é entendida como uma «figura de paixão que consiste em interpelar o leitor ou o ouvinte, dando àquilo que é, de si, afirmativo uma forma de pergunta.» Por isso, «o leitor é provo­cado e levado a dar, no seu íntimo, uma resposta de assentimento ao que se lhe propõe.» E «quando as I[nterrogações] se sucedem, i. é, quando a I[interrogação] se combina com a repetição e a gradação, o efeito exprime, ainda com mais urgência, a intensidade da paixão.» Além disso, é considerada como «a figura rítmica mais importante do es­tilo coloquial e do estilo patético», servindo para dar «relevo e in­teresse ao que se escreve ou se diz.» [Cfr. MENDES, 1970]
   É pelo facto das interrogações retóricas dispensarem res­posta que se diz que elas ocorrem sobretudo em contextos (o con­texto, real ou fictício, é sempre indispensável à sua con­cretização), onde os destinatários não têm voz activa. Daí que elas não sejam tão inocentes como por vezes se pensa, inclusive as literais. Repare-se nesta advertência de Ducrot:

   [...] tendo o ar de respeitar a liberdade do destinatário, ela [a interrogação, evidentemente] pode, no entanto, impor-lhe ideias prévias. Particularidade esta que torna suspeitas nu­merosas "sondagens de opinião", e que leva a desconfiar tam­bém da "pedagogia interrogativa" de inspiração socrática. Porque as perguntas do professor afirmarão geralmente tanto quanto perguntam. Daí os limites da "maiêutica", parto que pode ter certas características de inseminação. [DUCROT, 1984a: 401]           

 [Continuará]



Bibliografia (Apenas a referida nesta parte).
DUCROT, O., 1984a: «Pressuposição e Alusão», in AA.VV., 1984: Linguagem-Enunciação. Enciclopédia Einaudi, vol 2. Lisboa IN-CM; pp. 394-417 (Trad. do art. de Henriqueta Costa Campos).
------------, 1984b: «Actos linguísticos», in AA.VV., 1984: Linguagem-Enunciação. Enciclopédia Einaudi, vol. 2. Lisboa IN-CM; pp. 439-457 (Trad. do art. de Henriqueta Costa Campos).
KERBRAT-ORECCHIONI, C., 19862: L'Implicite. Paris: Armand Colin.
LAUSBERG, H., 19823 (1967): Elementos de Retórica Lietrária. Lisboa: Gulbenkian (Trad. de R.M. Rosado Fernandes).
MATEUS, M H.M et al., 19892: Gramática da Língua Portuguesa. Lisboa: Caminho.
MENDES, J., 1970: «Interrogação», in VERBO-Enciclopédia Luso Brasileira de Cultura, vol 10. Lisboa: Verbo.
MEYER, M., 1993: Questions de Rhétoriques. Langage, Raison et Séduction. Paris: Librairie Générale Française (Le Livre de Poche).
PLEBE, A. & EMANUELE, P., 1992 (1989): Manual de Retórica. São Paulo: Martins Fontes (Trad. de Eduardo Brandão, revista por Neide Luzia de Rezende).
QUINTILIANO, 1836: Instituições Oratorias. Coimbra (Trad. e notas de Jeronymo Soares Barbosa).
RODRIGUES, D. [F.], 1998: «Em torno da interrogação na poesia de Jorge de Sena». Mealibra (Revista de Cultura), n.º 1/2, série 3. Viana do Castelo: Centro Cultural do Alto Minho; pp. 21-27.
SENA, J., 19772: Poesia I. Lisboa: Moraes.