terça-feira, 28 de fevereiro de 2017


   Armando Côrtes-Rodrigues faz hoje 126 anos.



AO SR. CÔRTES-RODRIGUES


Passo no mundo a vivê-lo,
Passo no mundo a senti-lo,
E esta côr do meu cabello
É o vê-lo e o possuí lo.

Passo no mundo a sonhá-lo,
Numa forma de vivê-lo,
E o meu sentido d’olhá-lo
É o sentido de vê-lo.

Só em Mim me concretiso,
E o Sonho da minha vida
Nesse Sonho o realiso.

 E sempre de Mim Presente,
Todo o Meu Ser se limita
Em Eu Me Ser Realmente.

Violante de Cysneiros [Armando Côrtes-Rodrigues], 1915: «Ao Sr. Côrtes-Rodrigues».
Orpheu – Revista Trimestral de Literatura, n.º 2. Directores: Fernando Pessoa / Mário de Sá-Carneiro. Lisboa, p. 126.
[Consulta: 1989: Orpheu / Edição fac-similada. Lisboa: Contexto.]

Para recordar e/ou ler e/ou ser (mais) informado:

«Entre os escritores que comummente mais se estranharia não ligássemos ao Modernismo, destaca-se Armando Côrtes-Rodrigues […]. Foi colaborador de ambos os números de Orpheu, no segundo deles sob o pseudónimo de Violante de Cysneiros, mas na sua obra predomina a nota popular açoriana, em consonância aliás com o interesse que o leva a dedicar-se à etnografia regional, sobre que publicou importantes artigos e monografias. As poesias saídas no Orpheu em seu próprio nome inserem-se sem originalidade no Paulismo […] Mas as subscritas por Violante de Cysneiros, mais afins ao Pessoa ortónimo, predominantemente em quadras, contam-se entre as suas coisas melhores. […]».
Óscar LOPES, 1987: Entre Fialho e Nemésio - II.
Lisboa: IN-CM; pp. 608-609.

Para uma análise do «artifício do disfarce», com evidente cumplicidade de Fernando Pessoa, na colaboração de Orpheu 2*, sob o pseudónimo («heterónimo», segundo Eduíno de Jesus – Biblos, vol. I, 1995, col. 1314)  de Violante de Cysneiros, ler Anna Klobucka, 1990: «A Mulher Que Nunca Foi. Para um retrato bio-gráfico de Violante de Cysneiros», em Colóqui/Letras, n.º 117/118; pp. 103-116.
*Os nove poemas publicados em Orpheu 2 (pp. 121-127), todos datados de «Junho, 1915», são apresentados como sendo «dum anónimo ou anónima que diz chamar-se Violante de Cysneiros» (p. 121), com a seguinte, no mínimo curiosa, «N. B. – Apareceram-nos na Redacção estes belos poemas, que um anónimo engenho doente realisou. Publicamo-los, porque disso são dignos, importando-nos pouco a personalidade vital de que possam emanar. Toda a obra de arte é a justificação de si-própria.» (p. 122)
Violante de Cysneiros / Armando Côrtes-Rodrigues dedica esses poemas a figuras importantes do primeiro modernismo português: Álvaro de Campos, subintitulado «O Mestre» (4), Mário de Sá-Carneiro (1), Fernando Pessoa (1), Alfredo Pedro Guisado (1) e, curiosamente, a si própria(o) (2): «Ao Sr. Côrtes-Rodrigues» - acima reproduzido - e «A Mim Própria / De há dois anos».

NB1 - Fotografias colhidas em Google+ / Imagens / Armando Côrtes-Rodrigues.
NB2 - Respeitadas grafia e pontuação das edições consultadas.

segunda-feira, 27 de fevereiro de 2017


   Ruy Belo faz hoje 84 anos.

E TUDO ERA POSSÍVEL

Na minha juventude antes de ter saído
da casa de meus pais disposto a viajar
eu conhecia já o rebentar do mar
das páginas dos livros que já tinha lido

Chegava o mês de maio era tudo florido
o rolo das manhãs punha-se a circular
e era só ouvir o sonhador falar
da vida como se ela houvesse acontecido

E tudo se passava numa outra vida
e havia para as coisas sempre uma saída
Quando foi isso? Eu próprio não o sei dizer

Só sei que tinha o poder duma criança
entre as coisas e mim havia vizinhança
e tudo era possível era só querer

Ruy Belo, 1981: Obra Poética de Ruy Belo (vol. 1).
(Organização e posfácio de Joaquim Manuel Magalhães). Lisboa: Presença; p. 171.

Para recordar e/ou ler e/ou ser (mais) informado:
AQUI e «E TUDO ERA POSSÍVEL, dito por Elisabete Caramelo» e/ou «Ler Mais, Ler Melhor – Ruy Belo» e/ou «Ruy Belo, Era uma vez)».

«[…] A poesia de Ruy Belo é uma poesia do fracasso mas não uma poesia fracassada. Cada poema seu é um espaço errante e disperso, homogéneo mas fragmentário, à semelhança da própria vida. De livro para livro, os poemas alongam-se e tornam-se mais pungentes, mais intensamente apaixonados, mas aqui a paixão, se é busca de uma relação amorosa com o real, inclui nela o sentimento da perda irremediável e do espaço mortal da condição finita. O tempo é a instância negativa contra a qual o poeta se levanta num movimento que não atinge jamais a plenitude. […]».
António Ramos ROSA, 1987: «Ruy Belo ou a Incerta Identidade»
Em Incisões Oblíquas. Estudos sobre Poesia Portuguesa Contemporânea.
Lisboa: Caminho; p. 70.

NB1 - Fotografias colhidas em Google+ / Imagens / Ruy Belo.
NB2 - Respeitadas grafia e pontuação das edições consultadas.

sábado, 25 de fevereiro de 2017


   Cesário Verde faz hoje 162 anos.

        ECOS DO REALISMO
               MANIAS!

O mundo é velha cena ensanguentada,
Coberta de remendos, picaresca;
A vida é chula farsa assobiada,
Ou selvagem tragédia romanesca.

Eu sei um bom rapaz, -hoje
                   uma ossada-,
Que amava certa dama pedantesca,
Perversíssima, esquálida e chagada,
Mas cheia de jactância quixotesca.

Aos domingos a deia, já rugosa,
Concedia-lhe o braço, com preguiça,
E o dengue, em atitude receosa,

Na sujeição canina mais submissa,
Levava na tremente mão nervosa,
                                               O livro com que a amante ia ouvir missa!

Cesário Verde, 19--3*: Obra Completa de Cesário Verde.
(Organizada, prefaciada e anotada por Joel Serrão). Lisboa: Portugália; pp. 122-123.
[*As 1.ª e 2.ª eds. deste livro saíram, respetivamente, em 1964 e 1970; a 4.ª em 1983, na Livros Horizonte. De recordar que O Livro de Cesário Verde 1873-1886, publicado pelo seu amigo Silva Pinto, saiu em 1887 (Lisboa: Typographia Elzeviriana).
O soneto «Manias» foi publicado, pela 1.ª vez, no Porto, no Diário da Tarde (23/01/1874)].

Para recordar e/ou ler e/ou ser (mais) informado:

«[…] Ele foi o primeiro que fez a anatomia do homem esmagado pela cidade, e para o qual esta contou como elemento da própria consciência, foi o poeta que viveu a cidade, e a trouxe para a poesia, que soube integrar no mundo poético a realidade comezinha, e encontrar o autêntico real através dum tipo inédito de descrição, no qual as coisas entram com tamanho potencial de presença (pela força da sua arte), que se cria, com ele, um novo sentido da imagem poética, como se cria, igualmente, uma nova noção do ritmo que só na poesia moderna, com Pessoa e Sá-Carneiro, ganhará os seus títulos de nobreza. […]».
Adolfo Casais MONTEIRO, 1977: A Poesia Portuguesa Contemporânea.
Lisboa: Sá da Costa; p. 18.

NB1 - Fotografias colhidas em Google+ / Imagens / Cesário Verde e Silva Pinto.
NB2 - Foram respeitadas grafia e pontuação das edições consultadas.



sexta-feira, 24 de fevereiro de 2017


   José Augusto Seabra faz hoje* 80 anos.

[Dois poemas]


A lente não contorna
por dentro toda a margem
de sombra. E desmorona
o centro da miragem
se a pupila demora
a imagem sobre a imagem
da morte contra a morte.

                 *

Quando o corpo desenha
todo o seu outro lado
de sombra, donde vem
aquela frialdade
que a chama não sustém?


José Augusto Seabra, 1996: Sombras de Nada.
(Prefácio - «A Luz da Sombra» - de Eduardo Lourenço). Lisboa: Quetzal; pp. 41 e 47. 

Para recordar e/ou ler e/ou ser (mais) informado:

«[…] O seu primeiro livro intitula-se A Vida Toda (1961). A sua poesia, onde certas marcas ligadas a uma atitude de resistência política são visíveis, ganha uma outra amplitude nos livros seguintes pelo modo como vai ser levado cada vez mais longe um exercício sobre as possibilidades da palavra num espaço privilegiado que a transforma em signo […]. Daí um progressivo esvaziamento do próprio sentido das palavras através de uma desmemória […] ou de uma espécie de jogo que entre elas se estabelece sobretudo pela atenção prestada a uma dimensão significante que acaba por problematizar esse esvaziamento. Paralelamente, o recurso ao poema breve, o qual, por vezes, nos conduz a uma impressão quase pictórica, concorre para que este efeito se produza. […]».

Fernando GUIMARÃES, 2001: «SEABRA (José Augusto)».
Em Biblos – Enciclopédia Verbo das Literaturas de Língua Portuguesa. (Vol. 4)
S/l: Verbo; col. 1207.

* Também fazem anos, hoje, «Rosalía deCastro» e «David Mourão-Ferreira».

NB1 - As fotografias do Poeta foram colhidas em Google+ / Imagens / José Augusto Seabra.
NB2 - Foram respeitadas grafia e pontuação das edições consultadas.

   David Mourão-Ferreira faz hoje* 90 anos.


IN MEMORIAM MEMORIÆ [1]
(Fragmento)

Mas é no mármore que escreves?
            Mármore, sim…
                               mole, porém,
            como a casca da árvore,
            como o vento no sono
                                        escutado,
            como a sombra da nuvem
                                             no mar…

E fica todavia o que tu escreves!
E fica todavia o que não dizes!
E fica todavia, à flor da pele,
o que nem nas raízes existia!
E fica todavia, toda a vida,
o que nem se sonhava que ficasse:
uma saia de ráfia que se tira,
e não o corpo, o corpo que se amava;
                                                    a circunstância trémula do crime,
                                                    e não o grande amor que o motivara;
                                                    o número de telefone que se disse,
                                                    em vez dos dedos longos que o marcavam;
                                                    uma lua, uma data, um arrepio,
                                                    em vez da Inquietação e da Palavra!

David Mourão-Ferreira, 19973: Obra Poética (1948-1988).
Lisboa: Presença; pp. 188-189. (1.ª ed.: 1988. «Introdução»: Eduardo Lourenço.)

[1] Título do poema e do livro (plaquete, com ilustrações de Alice Jorge), 1962, Lisboa, Minotauro. Em Obra Poética, 19973, pp. 181-192.

Para recordar e/ou ler e/ou ser (mais) informado:

«[…] a temática predominante em David Mourão-Ferreira é a do amor; […] a sua técnica de versificação é exemplar e revela uma leitura atenta e aprofundada (e paciente) da nossa poesia clássica; […] não é só o amor, mas também certos aspectos que o imitam (as circunstâncias económicas, a “moralina” estabelecida, o esquecimento, o equívoco, o envelhecimento) aparecem como motivações de quase todos os poemas […]; a sua “modernidade” é extremamente discreta, mais sugerida do que praticada […]».

Eduardo Prado COELHO, 1972: O Reino Flutuante.
Lisboa: Edições 70; p. 263.

* Também fazem anos, hoje, «Rosalía deCastro» e «José Augusto Seabra».

NB1 - As fotografias do Poeta foram colhidas em Google+ / Imagens / David Mourão-Ferreira.
NB2 - Foram respeitadas grafia e pontuação das edições consultadas.

  Rosalía de Castro faz hoje* 180 anos.


¡PADRÓN!... ¡Padrón!...
Santa María… Lestrove…
¡Adiós! ¡Adiós!


           I

Aquelas risas sin fin,
aquel brincar sin delor,
aquela louca alegría,
        ¿por qué acabou?

Aqueles doces cantares,
aquelas falas de amor,
aquelas noites serenas,
        ¿por qué non son?

Aquel vibrar sonoroso
das cordas da arpa i os sons
da guitarra melencónica,
        ¿quén os levou?

Todo é silensio mudo,
     soidá, pavor,
onde outro tempo a dicha
sola reinóu…

¡Padrón!... ¡Padrón!...
Santa María… Lestrove…
¡Adiós! ¡Adiós!

Rosalía de Castro, 19777: Obras Completas (Tomo I / Obras en Verso).
[Recopilación e introducción por Victoriano García Martí. Nueva edición aumentada
por Arturo del Hoyo (1.ª ed.: 1944)];Madrid: Aguilar; pp. 344-345.

Para recordar e/ou ler e/ou ser (mais) informado:

«[…] Figura-cume das letras galegas e um dos mais altos valores da poesia universal. […] A poesia da autora de Follas Novas […] leva-nos consigo aos abismos da existência e traduz a situação metafísica do Homem no “triste perelinax” em que entrevê o absoluto. Mas o alcance do conteúdo espiritual não deve fazer-nos esquecer a arte com que se transmite […]. A poesia – bem o sabia Rosalía – “encontra às vezes n’ũa expresión feliz, n’ũa idea afertunada, aquela cousa sin nome que vai direita como frecha, traspassa as nossas carnes, fai-nos estremecer...”[1] A sua arte consiste, primeiro, em captar essas ideias de excepção […]; consiste, depois, em condensar e deixar subentendido, como tantas vezes faz o povo nas suas quadras; consiste ainda em libertar o ritmo do verso, dando-lhe ductilidade que o aproxima do relato oral, e em combinar metros de diferente extensão, alguns bastante longos. Neste último aspecto, Rosalía desempenhou um papel de precursora. […]».
[1] Em Castro, 19777, p. 271, com grafia diferente de algumas palavras.
J[acinto do] P[rado] C[OELHO], 19783: «Castro, Rosalía de».
Em Jacinto do Prado COELHO (dir.), 19783: Dicionário de Literatura. (Vol. 3).
Porto: Figueirinhas; pp. 170 e 172.

* Também fazem anos, hoje, «DavidMourão-Ferreira» e «José AugustoSeabra».

NB1 - As fotografias da Poeta foram colhidas em Google+ / Imagens / Rosalía de Castro.
NB2 - Foram respeitadas grafia e pontuação das edições consultadas.

sábado, 18 de fevereiro de 2017


  António Aleixo faz hoje 118 anos.

A Arte

Vejo a arte definida
Na forma de descrever
O bem ou mal que a vida
Nos faz gozar ou sofrer.

Um poeta de verdade,
Se se souber compreender,
Não deve de ter vaidade
De o ser, porque o é sem q’rer.

Ser artista é ser alguém!
Que bonito é ser artista…
Ver as coisas mais além
Do que alcança a nossa vista!

A arte é força imanente,
Não se ensina, não se aprende,
Não se compra nem se vende,
Nasce e morre com a gente.

A arte é dom de quem cria;
Portanto não é artista
Aquele que só copia
As coisas que tem à vista.

A arte em nós se revela
Sempre de forma diferente:
Cai no papel ou na tela
Conforme o artista sente.

António Aleixo, 1990: Este Livro Que Vos Deixo...
(Vol. I - 8.ª ed.). Prefácio e notas preliminares de Fernando Laginha e Joaquim Magalhães.
Lisboa: Editorial Notícias; pp. 63-64. (1.ª edição:1969.)

Para recordar e/ou ser (mais) informado:


«[…] Trovador e repentista popular, muito conhecido já antes do 25 de Abril, a sua aura, a partir de então, tem sido crescente, decerto porque o poeta soube reflectir, com engenhoso talento e de modo conceituoso, incisivo, naturalmente ingénuo mas não desprovido de maliciosa fundura, as suas vivências de largos estratos do povo português. […]»

L[uís] A[MARO], 2002: «Aleixo, António Fernandes».
Em Ernesto Rodrigues, Pires Laranjeira & Viale Moutinho (coords.), 2002: Dicionário de Literatura.
Actualização (1.º Volume). Lisboa/Porto: Figueirinhas; p. 44.

NB1 - As fotografias do Poeta foram colhidas em Google+ / Imagens / António Aleixo.
NB2 - Foram respeitadas grafia e pontuação das edições consultadas.

quinta-feira, 16 de fevereiro de 2017

III. Dispersos
III.2. Contos (IV)

O conto que a seguir apresento foi publicado no jornal o diário [«Suplemento Cultural» (ver infra) de 23/03/1986, p. 3]. 


Dada a dimensão da página original (42 X 31,5 cm), a fim de facilitar a leitura da narrativa, procedi aos necessários arranjos, na sua reprodução neste "post". Como segue:



NB - Todos os direitos reservados.