estes cantares fez & som escarnhos d'ora
opinião crítica de Manuel Maria
O princípio da identidade, indispensável ao raciocínio lógico, tende a
conduzir-nos à necessidade de a tudo colarmos um rótulo, ou seja, conferir uma
espécie de bilhete de identidade. Ora é justamente o que se não deve fazer a estes
cantares fez & som escarnhos d’ora, a mais recente publicação, em
livro, da obra poética de David F. Rodrigues.
Devo confessar que estes cantares não me surpreenderam. E não me
surpreenderam, porque, apesar da expectativa ser sempre elevada, há sempre
sobejos motivos que confirmam esta minha soberba e despudorada exigência: a
excelência da sua criação, fruto da sua inegável criatividade e do empenho
aturado e exaustivo que confere a cada um dos seus textos.
Doutorado e especialista em Teoria do Texto, o poeta demonstra,
uma vez mais, conhecer e dominar, como poucos, a matéria prima de que se serve
para a construção e/ou desconstrução de uma tessitura que só pode arrebatar
qualquer leitor, mesmo que, eventualmente, não domine tão completamente o
código de que se serve o poeta.
Interventivo na sociedade em que se encontra inserido, parece pretender o
poeta (esta repetição próxima não é uma distração, é, antes, uma reiteração,
mais do que merecida) que a sua poesia transpareça, quiçá afirme, o testemunho
inequívoco de uma cidadania de que não quer nem deve abdicar. O resultado final
são estes cantares, que são de escárnio e são-no d’ora, porque
mais não fazem do que nos mostrar como a realidade que o/nos rodeia é captada com
tão perspicaz acuidade sensorial.
Conhecedor exaustivo de uma estrutura de superfície e de uma estrutura
profunda, manipula o significante a seu bel-prazer, obtendo uma pluralidade de
significados que vão ao encontro do que postulava/postula a Arte de Trovar
(“per palavras cobertas que hajam dous entendimentos, pera lhe-lo nom
entenderem […] ligeiramente”). E serve, na perfeição, a máxima latina dos
nossos comediantes e satíricos: “ridendo
castigat mores” = “corrige os costumes sorrindo”.
Mais do que se possa dizer/escrever acerca de, é imperiosa a leitura
atenta – e lúdica! – d’estes cantares de David F. Rodrigues.
Porto, 06 de maio de 2016
Manuel Maria