Maria Manuela Couto Viana* faz hoje 98 anos.
PRINCÍPIO
Ensina-me
a dizer palavras claras,
sem
nomes falsos, repetidos, lentos…
Ensina-me
a chamar às coisas o seu nome,
seu
nome verdadeiro.
Ensina-me
a compor o poema derradeiro
da
minha sede e minha fome.
Que
eu não vá, nunca mais, inconsciente
da
única beleza,
fugindo
atrás duma canção perdida.
Ensina-me
a encarar, simples, de frente,
sem
máscaras, a vida.
Que
eu não sinta só meu o que é roubado.
Ensina-me
a beijar as rosas, sem mordê-las.
E
nas noites sombrias, sem estrelas,
ensina-me a dormir um sono sem pecado.
ensina-me a dormir um sono sem pecado.
Ensina-me
a calar a força do meu grito.
Dá-me
o tom verdadeiro do meu canto.
Cerra
a boca do meu espanto,
e
adoça-me o olhar de estátua de granito.
Ruga
tardia em rosto desumano,
sofro
a ânsia da paz que recusei.
Ensina-me
a dizer às flores do verde ramo
que
sim, que te encontrei!
Maria Manuela Couto Viana, 1950:
«Princípio».
Távola Redonda - Folhas de Poesia -
Fascículo 2.
Lisboa; [p. 04]
{Eds.
consultadas: Távola Redonda – Edição Facsimilada.
Lisboa: Contexto; 1989, [p. 20]
A Poesia de Maria Manuela Couto
Viana. (Pref. de Esther
de Lemos). Lisboa: Átrio; 1993, p. 42.}
* Filha de Manuel Couto Viana (VC, 13/03/1892 - Lisboa, 07/12/1970) e de Maria Romana González de Lena e Carreño (1897-1976), e irmã do poeta e ator António Manuel Couto Viana (VC, 24/01/1923 - Lisboa, 08/06/2010).
Para
recordar e/ou ler e/ou ser (mais) informado:
«Maria Manuela Couto Viana […] dá
voz à voz da tradição, que já tem expressão no nosso cancioneiro medieval e,
mais tarde, no nosso espólio poético-monacal, textos de grande interioridade e
destacado individualismo, emotivamente reflectindo, com lírica força
ascensional, subjectividades expressivas, desde a mansidão à queixa, desde a
paixão à revolta. A poesia de Maria Manuela Couto Viana é paradigmática. Mas a voz da tradição na voz de Maria Manuela Couto Viana não é redutora, antes inspiração para uma menina e moça a caminho da ruptura com a instituída fórmula do viver feminino […].»
F[ernanda] B[otelho], 1996: «”As
Fundas Nascentes da Poesia”».
Colóquio/Letras, n.º 142. Lisboa: Gulbenkian; p.
232.
NB1 - Os retratos da poetisa, da autoria de Carlos
Carneiro (cabeçalho) e Manuel Couto Viana (poema), são digitalizações de
reproduções que se encontram, respetivamente, em A Poesia de Maria
Manuela Couto Viana (1993) e em Manuel Couto Viana, 1990: Ferro-Velho
- Memórias e Estudos (Vol. II). Viana do Castelo: Câmara Municipal de
Viana do Castelo; p. 190.
NB2 - Respeitadas grafia e pontuação das edições
consultadas.
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