sexta-feira, 3 de março de 2017


   Maria Manuela Couto Viana* faz hoje 98 anos.

PRINCÍPIO


Ensina-me a dizer palavras claras,
sem nomes falsos, repetidos, lentos…
Ensina-me a chamar às coisas o seu nome,
seu nome verdadeiro.
Ensina-me a compor o poema derradeiro
da minha sede e minha fome.

Que eu não vá, nunca mais, inconsciente
da única beleza,
fugindo atrás duma canção perdida.
Ensina-me a encarar, simples, de frente,
sem máscaras, a vida.

Que eu não sinta só meu o que é roubado.
Ensina-me a beijar as rosas, sem mordê-las.
E nas noites sombrias, sem estrelas,
ensina-me a dormir um sono sem pecado.

                                                          Ensina-me a calar a força do meu grito.
                                                          Dá-me o tom verdadeiro do meu canto.
                                                          Cerra a boca do meu espanto,
                                                          e adoça-me o olhar de estátua de granito.

                                                          Ruga tardia em rosto desumano,
                                                          sofro a ânsia da paz que recusei.
                                                          Ensina-me a dizer às flores do verde ramo
                                                          que sim, que te encontrei!

Maria Manuela Couto Viana, 1950: «Princípio».
Távola Redonda - Folhas de Poesia - Fascículo 2. Lisboa; [p. 04]
{Eds. consultadas: Távola Redonda – Edição Facsimilada. Lisboa: Contexto; 1989, [p. 20]
A Poesia de Maria Manuela Couto Viana. (Pref. de Esther de Lemos). Lisboa: Átrio; 1993, p. 42.}

* Filha de Manuel Couto Viana (VC, 13/03/1892 - Lisboa, 07/12/1970) e de Maria Romana González de Lena e Carreño (1897-1976), e irmã do poeta e ator António Manuel Couto Viana (VC, 24/01/1923 - Lisboa, 08/06/2010).

Para recordar e/ou ler e/ou ser (mais) informado:

«Maria Manuela Couto Viana […] dá voz à voz da tradição, que já tem expressão no nosso cancioneiro medieval e, mais tarde, no nosso espólio poético-monacal, textos de grande interioridade e destacado individualismo, emotivamente reflectindo, com lírica força ascensional, subjectividades expressivas, desde a mansidão à queixa, desde a paixão à revolta. A poesia de Maria Manuela Couto Viana é paradigmática. Mas a voz da tradição na voz de Maria Manuela Couto Viana não é redutora, antes inspiração para uma menina e moça a caminho da ruptura com a instituída fórmula do viver feminino […].»
F[ernanda] B[otelho], 1996: «”As Fundas Nascentes da Poesia”».
Colóquio/Letras, n.º 142. Lisboa: Gulbenkian; p. 232.

NB1 - Os retratos da poetisa, da autoria de Carlos Carneiro (cabeçalho) e Manuel Couto Viana (poema), são digitalizações de reproduções que se encontram, respetivamente, em A Poesia de Maria Manuela Couto Viana (1993) e em Manuel Couto Viana, 1990: Ferro-Velho - Memórias e Estudos (Vol. II). Viana do Castelo: Câmara Municipal de Viana do Castelo; p. 190.
NB2 - Respeitadas grafia e pontuação das edições consultadas.

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