IV. Frutos da Terra e do Homem
ELOGIOS / ELEGIAS
(Novo livro de poemas de Cláudio Lima)
Alguns
dias antes do último Natal, o poeta Cláudio Lima ofereceu-nos uma nova
coletânea de poemas: Elogios/Elegias,
com pref. de Vítor Aguiar e Silva, e chancela da Editora Labirinto (Fafe).
O
livro é constituído por 38 poemas. Como o título indica, o poeta homenageia, no
seu conjunto, uma trintena de nomes importantes, sobretudo da literatura, mas
também das artes plásticas, da música (erudita e popular), da religião, da
filosofia e da ciência, portugueses e estrangeiros, que nos deixaram com obra
de reconhecido mérito e que se findaram, na sua grande maioria, durante o séc.
XX.
Os
nossos poetas e escritores figuram em maior número (por vezes com mais de um
texto): Fernando Pessoa, com suas «insónias / heterónimas» [p. 22] e o amor por
Ofélia, «tão breve / quase sem tempo», bem como Ricardo Reis e seus instantâneos sentidos [p. 23]. Camilo
Pessanha, é «pescador de pérolas doentes» que tem «o condão / de despertar
metáforas e mitos». [p. 25] O elogio a Miguel Torga é feito na primeira pessoa,
isto é, a voz do sujeito poético é a do escritor coimbrão, numa espécie de
testemunho literário: «a/ obra inteira falará por mim.» [p. 29] Sophia [de Mello Breyner Andresen] é a voz
onde «o verbo se arrepende de ser neutro / e revela tudo quanto sabe.» [p. 30] Mas os livros que Eugénio de Andrade semeou «são rastilhos / de pura
fraternidade e de perfume» [p. 31], escritos na «gramática límpida e luminosa /
do teu [seu] canto.» [p. 32]» Com a morte de David Mourão-Ferreira, «Um denso
nevoeiro agora agride / os olhos magoados das gaivotas»; [p. 34], enquanto a morte
de Vergílio Ferreira não passou de uma «liturgia de semi-luto nacional» [p. 33].
Mas com a de José Cardoso Pires, «nunca a cidade / em dor e saudade, / se
sentiu tão só.» [p. 35] Por outro lado, na morte de Luís Pacheco, «do Príncipe
Real / uma embaixada de pombos /veio ao funeral», apesar dos estercos, próprios e alheios. [p. 36] Por
fim, Sebastião Alba, que, por dormir ao
relento e Carl Sagan já ter morrido, é ele que «fica a mandar nas estrelas».
[p. 37]
Dos
poetas estrangeiros, Cláudio elogia/elegia Lorca e o «Enorme seu peito aberto /
à paixão que nele ardia» [p. 53], Neruda, cuja poesia é «Um coro de vozes
contra o medo» [55] e Sylvia Plath, que depois de abrir o gás, meteu «no
forno / um rosto póstumo porque rejeitado / e ávido de tantos afetos por
provar.» [p. 62]
Nesta
lista caberia também o nome de Zeca [José] Afonso que, como se sabe, também foi
poeta, apesar de ser mais conhecido como cantor de intervenção: «E era uma voz
tão funda / como as raízes da esperança / e era uma voz imensa / vaticinando
alvoradas.» [p. 40] Cláudio Lima, neste âmbito, celebra também Amália, a quem
pede: «Deixa, rainha sem trono ou diadema, / o timbre cristalino do teu canto» [p. 44]. Em Carlos Paredes, vê que suas mãos são «Aranhas em alvoroço»,
«tecendo a geometria instável de irrepetíveis melodias» [p. 45]. De António
Variações canta a «rebeldia» que nos deixou, mas que «os arquivos do silêncio
vão lacrar» [p. 39]. E celebra ainda o centenário de Hilário, cuja voz «perpassa
ainda agora / pela Coimbra doutora / em acordes de cristal.» [p. 38]
Dentro
da música erudita, recorda «Chopim no Mosteiro de Valdemosa», onde, durante o
concerto, uma mulher meditava as unhas.
[p. 56] E o jazz também não falta, na elegia que dedica a Louis Armstrong, «uma
explosão de alegria em todos os silêncios magnéticos ali para os bairros
de nova Orleães». [p. 58]
De
Soares dos Reis celebra, celebrando-o, a
«nostalgia do «Desterrado», como «sede da pátria por beber» [p. 17], enquanto
de Espiga Pinto canta os cavalos, «Quase Pégasos invadindo o mito, / músculo e
leveza, altivez em pose» [p. 46]. Picasso segura «Numa só mão / as pontas do
arco-íris», e Dalí os instantes «de génio ou de loucura», ao
«sacrificar os relógios sobre as árvores / como condenados pendulares por
reincidentes heresias». [p. 61]
Não
faltam algumas figuras religiosas: Madalena, aquela que «Indefesa na cama onde
me dei,/ celebro em dor de rejeitada amante / as exéquias do amor que
idealizei…» [p. 47]; Madre Teresa, num «epitáfio prévio»: «Aqui jaz / o que
sobrou / de mim:», ou seja: «no muito que dei aos homens, / no pouco que deixo
aos vermes» [p. 51]; e duas elegias a Francisco de Assis, «lúcida consciência
da humana condição: / um átomo de cisco / injetado de alma e de razão.» [p. 48]
Faltam
referir mais quatro nomes: Agostinho da Silva, português de «nome comum», mas
«grande Profeta» que «o Além te elegeu / para traçares a grande linha reta / do
sinuoso destino que nos deu.» [p. 26]; e Carl Sagan, cientista astrónomo que,
depois de tanto as ter namorado, «Quando
as estrelas já eram tuas / fechaste a porta por dentro / e foste fazer amor /
com todas elas.» [p. 52] E duas outras figuras da nossa história mítica e
lendária são também elogiadas nas elegias de Cláudio Lima: Inês de Castro,
símbolo do que a «nossa alma tem / de inditoso e sofrido», no «amor proibido» [p.
19], e [D.] Sebastião, cuja elegia Aguiar e Silva considera, justamente, «um
texto antológico». Por isso, com ele termino:
Sebastião
Cortina densa o nevoeiro
Vem repetir a infausta saga
Do Encoberto.
Cai sobre nós como um presságio,
Uma síncope de espera a dilatar-se
Em areais funestos.
Cadáver que os abutres não quiseram
E as nossas lágrimas não puderam
Ungir de eternidade,
Mora na noite altíssima do luto,
Na memória adormecida das idades,
Nos ancoradouros da nossa
nostalgia.
Dizem que fanstástico vive algures
E ubíquo em seu corcel
Ensaia a apoteose do regresso. [p.
18]
É
com base sobretudo neste poema que o Professor constrói o prefácio de Elogios/Elegias, a que deu o título de
«O mito sebástico na poesia de Cláudio Lima». Texto que termina com estas
palavras:
«Esta
reescrita do mito sebástico, na qual Cláudio Lima recusa, com […] sabedoria
poética […], as derivas ideológicas a que o mito tem dado origem, é a elegia de
um povo condenado a sofrer hoje mais uma crise brutal no drama secular da sua
contingência histórica. Resta a esperança da nostalgia, isto é, do regresso…»
[p. 10]
Convirá, todavia, ter presente que a
poesia de Cláudio Lima não é propriamente saudosista e muito menos fatalista. Os
nomes que nestas elegias elogia são para o presente e o futuro, como património
imaterial da nossa cultura. Nenhum, assim, ficará encoberto, por mais densos
que sejam os nevoeiros.
NB1 - O livro traz, no final, uma breve nota biobibliográfica do autor.
NB2 - A fotografia do poeta foi colhida em Google / Imagens / Cláudio Lima, Escritor.
Apraz-me que não estejam fatalisticamente encobertos os que por nostálgica mística perduram, para alguns,nas penumbras enovoadas dos potenciais recontros do fantástico ou fantasmagórico, por mais ubíquos corcéis que tenham ao seu dispôr no seu irónico imaginário...
ResponderEliminarObrigado, Prof.ª Afetuoso abraço.
Eliminar